Abandono, falta de projetos e de vontade política ameaçam investimentos de R$ 3 bilhões

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Abandono, falta de projetos e de vontade política ameaçam investimentos de R$ 3 bilhões

Dos 250 quilômetros previstos entre Delmiro Gouveia e Arapiraca, foram construídos 123 quilômetros


Ao longo da maior obra hídrica no semiárido de Alagoas a imagem é de abandono. A vegetação da caatinga e a mata avançam para dentro da calha. o governo de Alagoas planejava construir, sem licença ambiental, 25 barragens com o dinheiro do Fundo Estadual de Combate e Erradicação da Pobreza (Fecoep).

A Justiça impediu. Determinou a paralisação das obras, antes que ocorra um desastre ambiental de grandes proporções e exige licenças do Ibama e do IMA. A construção do Canal do Sertão começou na gestão do governador Geraldo Bulhões (falecido) em 1990, e deveria ficar pronto em uma década. Depois de 30 anos, tem 123 quilômetros construídos, com água em abundância, muitos problemas de gestão e sem definição de conclusão.

A obra já engoliu R$ 3 bilhões. Cerca de 36 metros cúbicos por segundo [um terço da vazão dos dois canais da transposição do São Francisco para cinco estados do Nordeste: Bahia, Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte e Ceará] está subaproveitando. Caminhões pipas e irrigação improvisada exploram o manancial.

Ao longo do canal, a vegetação da caatinga e a mata avançam para dentro da calha. Nos últimos dois anos, o governo federal investiu R$ 180 milhões na conclusão do trecho quatro, de mais 32 quilômetros do Canal do Sertão. A obra parou entre os municípios de São José da Tapera e Olho D’água das Flores (200 quilômetros de Maceió).

Depois da presença do presidente Jair Bolsonaro, em junho, no canteiro de obras, a população e os prefeitos da região estão otimistas com relação à retomada do trecho 5. O ex-governador Teotônio Vilela Filho (PSDB) deixou [em 2014] a obra no quilômetro 90. A construção foi retomada por Renan Filho (MDB) em 2015.

De lá para cá só andou 32 quilômetros e com recursos federais. No ano passado, o estado recebeu mais R$ 5.121.875,81 para os projetos de eletrificação e automação da Estação Elevatória, que faz a captação da água do Velho Chico, no vale do Moxotó - povoado São José, no município de Delmiro Gouveia - distante R$ 400 quilômetros da capital, na divisa com o município de Paulo Afonso (BA).

Apesar do volume de recursos recebidos via Secretarias de Estado de Infraestrutura e dos Recursos Hídricos e do Meio Ambiente, ao que parece, o governo esqueceu ou não comprou as bombas da estação elevatória.

Segundo revelaram moradores da região e confirmaram deputados estaduais, das seis bombas previstas para a estação tem apenas duas bombas e uma está quebrada, sem previsão de conserto, confirmou o deputado Inácio de Loyola (PDT).

A Gazeta esteve na Estação Elevatória do canal. Constatou que as áreas externas, próximas da casa de máquinas, estão tomadas pela vegetação da caatinga, mato e nada lembra a importância do empreendimento para o desenvolvimento regional do semiárido. Os vigilantes mantêm os portões fechados com cadeados e o responsável pelos seguranças mora em Paulo Afonso.

Ao serem questionados se as bombas da estação e o maquinário estavam funcionando, os vigilantes responderam de acordo com a orientação: “Não estamos autorizados a fornecer informações”.

Depois da captação na Estação Elevatória, a vazão de 36 m³/s segue mais de cinco quilômetros por tubulações subterrâneas até o canal ficar visível na área rural de Delmiro Gouveia. A água desce por gravidade por 123 quilômetros.

Nas margens do canal há dezenas de ligações clandestinas e improvisadas para agriculturas irrigadas de pequenos e médios agricultores. Um deles, que se identificou como José Inácio da Silva, disse que cansou de esperar pelos projetos do governo, comprou duas bombas e por conta própria planta, milho, feijão, cana, melancia e hortaliças.

Ele mora numa região entre Delmiro Gouveia e Água Branca, onde a água de poços artesianos é salobra e a irrigação não deveria ocorrer sem orientação técnica. Segundo os técnicos das Secretarias de Agricultura do estado e dos municípios, nem tudo no sertão pode ser irrigado por conta do sal rente à superfície. Projetos sem orientação técnica podem deixar áreas extensas estéreis. A água subterrânea da região é salobra.

Por outro lado, nem todos pequenos agricultores tem condições de contratar técnicos agrícolas e comprar bombas para retirar água do canal, afirmou um dos assentados da zona rural de Água Branca. “O canal, do jeito que está, só beneficia os médios e os grandes produtores rurais. Os micros e pequenos só plantam no período invernoso que é raro nesta região”.

Por Arnaldo Ferreira | Gazetaweb
Imagem: Ailton Cruz