Cristo, um artista ainda por receber o merecido reconhecimento

Por Cristiniano Guimarães
03/08/2020 12:15
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Cristiniano Guimarães é um alagoano de Água Branca, cidade
serrana localizada no sertão. Aos 49 anos, Cristo - como é conhecido
na cidade - é um artista plástico criativo, sensível, observador,
autêntico e, sobretudo, disposto a transformar o município sertanejo
em referência cultural.
Quando criança, fazia seus próprios brinquedos utilizando matérias
primas da região como o facheiro, usado para fazer espadas. Ou
latas para produzir carrinhos. O importante para o garoto inquieto era
encontrar alternativas para brincar. Diante das dificuldades
econômicas, restava-lhe usar a criatividade para produzir seus
brinquedos. Os restos de madeira que sobravam das esculturas
produzidas por seu pai eram aproveitados para fazer esculturas.
Iniciou os estudos em Água Branca, mas cedo abandonou a escola
como a maioria das crianças que tem que trabalhar para ajudar no
sustento da família. Cristo concluiu o ensino médio já adulto. A sede
pelo conhecimento o levou a trabalhar e estudar, já na época em que
atuava na construção civil.
Seu pai, Claudionor Guimaraes da Silva - conhecido Nozinho - é um
artista conhecido nos municípios do alto sertão de Alagoas; e sua
mãe, Maria Alcântara, professora da Rede Pública Municipal. Cristo
conta que quando garoto ajudava o pai no trabalho de escultura em
madeira. Verdadeiras obras de arte. Além de desenvolver o talento
de esculturas em madeiras, o inquieto artista também é músico e
artista plástico. As primeiras peças produzidas pelo artista foram
carrancas.
No seu ateliê, localizado no município de Água Branca, Cristo dá
forma aos mais diversos personagens, seja esculpindo ou criando
objetos como as máscaras. A solidão vivenciada nos momentos que
se dedica a produzir sua arte, geralmente noite à dentro, é
preenchida quando vê o resultado do que ele mesmo não consegue
explicar.
No entanto, Cristo é um artista que vivencia as mesmas situações da
maioria dos artistas brasileiros, a falta de valorização. Com peças
dignas de exibição em qualquer grande exposição nacional ou
internacional.
O artista quase abandona as artes, já que o que ganha com as suas
peças não é suficiente para garantir a sobrevivência. Assim, Cristo
também é pião de trecho, como são conhecidos os trabalhadores que
vivem de obra em obra por diversas regiões do Brasil.
A crise vivenciada pela construção civil fez o alagoano voltar a
dedicar-se às artes, que embora não suficiente têm ajudado a pagar
as despesas. Ele diz que seu ressurgimento como artista se deu
justamente nesse contexto.
Trabalhando com diversos tipos de materiais, principalmente com
madeira, esse artista sertanejo também é músico. O que não lhe falta
é talento.
Cristo, uma referência para novas gerações.
Água Branca, é um município que mantém uma vasta diversidade
cultural. O artesanato em palha, barro e madeira é produzido por
diversos artistas locais. Sede de baronato no século XVIII, Água
Branca mantém um conjunto arquitetônico colonial ainda preservado.
As manifestações culturais, folguedos como: São Gonçalo, banda de
música centenária, demonstra o quanto a cidade ainda preserva suas
expressões culturais.
Cristo tem sido referência e principal incentivador de jovens artistas
locais. Sua casa, além de ateliê, é o ponto de encontro para as
reuniões e produções artísticas. Músicos, poetas, cantores e
instrumentistas bebem na fonte de conhecimento e acolhimento
deste sertanejo. Sua casa é um espaço de acolhimento e encontros
artísticos.
Cristo é a voz e inquietação do movimento cultural que deseja
mostrar sua arte. Mesmo sem apoio do poder público, a arte resiste.
O artista plástico diz que buscou na leitura o conhecimento para
compreender a linguagem dos jovens. Foi lendo filósofos gregos
incentivado pelos garotos, livros de várias áreas a chave para a
fruição do diálogo e encontro entre as gerações e para produção
artistica.
Uma arte que traduz a memória local
Apesar de criado na zona urbana, sempre teve forte atração pela
zona rural do município. Conversar com as pessoas para ouvir as
histórias, observando e guardando os tipos humanos. Foi tendo
contato com a diversidade humana e guardando na memória esses
personagens do sertão que Cristo foi compondo um imaginário que
alimenta e se expressa na sua arte. É um artista extremante ligado
as suas origens. Sua arte expressa a forte relação que possui com o
povo do sertão. Cristo nos mostrou algumas de suas peças: O índio,
peça é uma confeccionada em imburana eco louco, outra peça que
está sendo finalizada. A genialidade deste artista ainda espera o
devido reconhecimento.
O processo de criação é gestado pela mais profunda intuição elevada
à materialidade da vida, e tem suas formas acabadas nas vivências
do seu ateliê. É o fantástico, o gênio, o abstrato, a materialidade, e
sobretudo suas relações com as pessoas ao seu redor. Outra criação
de Cristo são máscaras, parte de um dos seus trabalhos seriais. São
peças criadas que tem suas formas e conceituação acabadas no
próprio contato com pessoas.